Acaraú / CE - sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Traumatismo cranio-encefalico

Traumatismo Cranio-Encefálico.

 

Traumatismo cranio-encefálico ou TCE é uma afecção clinico-cirúrgica que faz parte da doença trauma.

 

 1. Background:

 

Mesmo com a enorme experiencia adquirida pelas forças armadas americanas no gerenciamento do atendimento às vitimas de traumatismos oriundos do metier das guerras, somente em principios da decada de 70 iniciou-se o reconhecimento do trauma como entidade nosologica (doença) e consequentemente seu tratamento com base em ações pré-planejadas baseadas no conhecimento da história natural da doença, que por sua vez é um mecanismo de estudo e compreenção sobre como as doenças agem sobre o seres vivos e quais as medidas mais eficientes para a prevenção e tratamento desta doença.

 

No Brasil, tais concepções somente começaram a ser empregadas em media escala em principios da decada de 80, e, pelo que temos conhecimento, implementadas inicialmente pelo Prof. Dr. José Marcos Fisz e cols. do serviço de terapia intensiva do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, em fins da deacada de 70 e inicio da decada de 80.

 

Em meados da decada de oitenta, este autor, durante a aula inaugural da disciplina de Medicina de Urgencia I, na faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de fora, ouviu de seu preceptor uma frase que bem traduzia a filosofia de abordagem ao trauma e ao traumatizado: "Trauma é uma condição que desestabiliza qualquer hospital, pois é uma condição de emergencia e por ser uma emergencia não se sabe pelo que esperar". Essa frase me impressionou.

 

Nessa época, os ambulatórios de emergencia para trauma estavam sob a tutela, na maior parte dos serviços, dos especialistas em Ortopedia e Traumatologia. 

 

À essa época, o traumatizado era reconhecido como aquele paciente que, uma vez atendido na emergencia, seria submetido à busca e fixação de fraturas, realização de suturas e cirurgias, quando as maifestações cirurgicas já se faziam gritantes. Assim era na maior parte dos hospitais, com exceções louvaveis.

 

2. Evolução

 

A criação de hospitais especializados primariamente em trauma, assim como a divulgação de toda uma serie de estudos sobre evolução natural da doença resultou na manifestação de uma filosofia de abordagens, desde a cena do acidente até a alta do paciente, passando pela triagem ou avaliação/hierarquização de gravidade, atendimento em salas de politrauma, realização de exames complementares na emergencia, realização de cirurgias de emergencia e subsequentes, adequada recuperação anestésica, suporte de terapia intensiva, fisioterapia precoce e cuidados hospitalares voltados para o politraumatizado e suas peculiaridades.

 

Trauma é hoje reconhecido como uma doença causada por fator externo, de natureza clinica e cirurgica, de manifestação aguda, evolução cronica, e cujos eventos são previsiveis e sua manifestação, na indiscutivel maioria das vezes, evitavel.

 

Sabe-se hoje, que a melhor especialidade médica para se prestar o primeiro atendimento não é o cirurgião, não é o intensivista, não é o neurologista, não é o clinico geral e muito menos o ortopedista. Embora não tenha ainda sido oficializada e especialidade, nos grandes centros o poder publico já cria o cargo de médico emergencista, que é aquele que complementa as ações do médico socorrista ou intervencionista, em nosso tempo já tão comuns nos SAMU´s nas medias e grandes cidades brasileiras. 

 

Através de estudo que realizamos no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, considerado o maior hospital de trauma da America Latina, onde fomos médico do Centro de Terapia Intensiva ao longo de oito anos initerruptos, constatamos que, em 98% dos casos internados naquele setor, a ingestão de alcool foi causa precipitadora dos eventos diversos, fosse acidentes de trafego, fosse decorrentes de violencia urbana.

 

3. TCE:

 

Na doença trauma, o traumatismo cranio-encefalico está presente em 60 a 75% dos eventos, em função de fatores diversos como a mobilidade do segmento cervical da coluna vertebral, o peso do cranio e encefalo, a localização na extremidade do corpo e que, por concentrar os orgãos principais dos sentidos, está sempre exposta em posição mais vulnerável, em detrimento de outras porções do corpo humano, protegidos por elementos diversos como roupas, calçados, assentos, portas com barras de proteção e assim por diante.

 

Estudos demonstram que, nos grandes centros, somente entre 15 a 25% dos TCE´s necessitam de tratamento cirúrgico. Do total de casos, cirurgicos e não cirurgicos, cerca de 27 a 36% dos TCE´s  requerem internação em CTI, e cerca de 90% requerem observação em sala de emergencia ou unidades de suporte intermediario por mais de 8 horas.

 

Tais dados demonstram que, na realidade do interior, onde se prioriza quase sempre a instalação de Centros Cirurgicos ( e essa realidade é global, faz parte do processo de desenvolvimento de uma filosofia de atendimento), nos centros onde as etapas inciais foram vencidas, observa-se a necessidade da priorização das unidades de pronto socorro, seguidas dos serviços de de terapia intermediaria ( UTI´s), e somente então, dos blocos cirurgicos. Tal ordenamento ocorre em função de que, não se faz cirirgias complexas sem uma adequada recuperação anestesica e sem um suporte de vida adequado. é como se ter um carro potente, mas sem pneus que possam permitir ao motor trasnsferir sua potencia ao asfalto, resultando no deslocamento do carro.

 

Este autor tece estas considerações não como crítica, pois tudo na verdade faz parte de um processo, e sim para argumentar que, na abordagem do TCE é mais importante ter um serviço de emergencia adequado, com pessoal capacitado, seguido de uma unidade de suporte de vida e cuidados intensivos que se dispor de bloco cirurgico e tomografo isolados.

 

Lembremo-nos, que há 30 anos atrás não havia tomografos nas cidades do interior, e ainda assim ali se praticava a neurologia e a neurocirurgia. Não advogo a pratica intempestiva, sem a utilização dos meios de diagnostico mias avançados. Restrinjo a discussão às situações de emergencia, onde o tempo é imperativo, o traslado um fator de agravamento da condição do paciente e as ações, pouco alteradas em função dos achados aos exames de imagem.

 

No TCE, a caixa craniana é em grande parte das vezes resistente o suficiente para suportar grandes concentrações de energia, sem maiores consequencias. O que já não acontece com o encefalo ( cerebro, cerebelo e bulbo raquidiano), que dadas suas caracteristicas e necessidades, são relativamente moveis dentro do cranio. A indiscutivel maioria das lesões encefalicas fechadas, se dá em resultado da movimentação do cerebro contra o cranio que é abruptamente desacelerado. As lesões decorrentes de afundamento craniano demandam enorme energia cinetica e são relativamente raras, exceto nos traumatismos causados por instrumentos agudos ou projeteis de arma de fogo.

 

Em função da anatomia do cerebro, onde os lobos temporais ocupam uma posição semi-apendicular na porção infero-lateral de ambos os hemisferios cerebrais, diante das desacelerações abruptas essa porção do cerebro choca-se contra a asa menor do esfenoide ( osso na forma de borboleta na base do cranio, que compreende a asa menor e asa maior, e nesta ultima repousa o polo frontal do cerebro) resultando em lesões tipicas, sendo as mais comuns as contusões de polo temporal. Sabe-se hoje que mesmo nos TCE´s moderados são notadas lesões micro-vasculares ou vasculares de pequena monta primariamente nesta porção do cerebro.

 

Sabidamente, e não por acaso tendo-se em vista que o lobo temporal é enormemente responsavel pela gênese e processamento das emoções, compulsões, memória e comportamento, cerca de 93% das vitimas de traumatismo cranio-encefalico grave apresentaram alterações de personalidade, do ciclo de sono, das relações interpessoais e conjugais, de memoria e afeto. 45 a 60% mudam de emprego, por causas diversas e cerca de 30% se separam, em um intervalo de um ano após o evento.

 

Lesões perfurantes  e afundamentos requerem abordagem cirurgica imediata assim com lesões expansivas em decorrencia de sangramentos intracranianos maciços ou swelling (edema, embora, no cerebro, os mecanismos do edema classico estão ausentes, por isso o termo ainda sem tradução). Felizmente, apenas 15 a 25% dos casos encontram-se nesta categoria.

 

4. Abordagem inicial:

 

A abordagem inicial, embora seja matéria técnica, será brevemente discutida aqui a título de esclarecimentos visando encoaminhar-se soluções pertinentes em tempo hábil, reduzindo assim o agravamento da condição clinica do paciente, resultando em redução da mortalidade e gravidade das sequelas, nos sobreviventes.

 

No TCE grave, a vitima encontra-se com niveis de conciencia de tal foma rebaixados, que não tem condições de ela propria coordenar os movimentos respiratórios, sendo indicado, de imediato, para proteção de vias aereas e tratamento de suporte os seguintes passos:

 

A. Assegurar vias aereas livres, se obstruções, com intubação traqueal ou, em casos extremos, atraves de cricostomia, com proteção da coluna cervical, atraves da fixação do segmento cervical da coluna vertebral através da imobilização com as mãos de um assistente, uso de colares e, quando do trasnporte, cintas e tirantes.

 

B. Assegurar a ventilação, seja manual atraves de AMBU´s ou mecanica atraves de respiradores mecanicos. Evitar a hiperventição, assim como o barotrauma, em especial em crianças. As manobras de hiperventilação devem ser praticadas primariamente pelo neurologista ou intensivista em casos muito especificos.

 

C. Controle de hemorragias, assegurar perfusão sanguinea cerebral. Não raro, é necessário manter o paciente hipertenso, a fim de compensar a maior pressão intracraniana, que impediaria o fluxo sanguineo cerebral. Erro comumente observado é a fomra automatizada e intempestiva que varios profissionais medicos e não medicos reduzem a pressão arterial no TCE, não observando que este é um mecanismo de compensação a fim de assegurar a perfusão cerebral. Por via das duvidas, converse a respeito com o medico da emergencia ou, preferenciamente acione o neurologista/neurocirurgião, em caso de duvidas.

 

D. Avaliação das alterações neurologicas, possiveis lesões, medidas de suporte e neuroproteção, incluindo manobras para redução da pressão intracraniana, desde a hemodinamica do paciente o permita.

 

E. Avaliação das lesões perifericas e superficiais, em busca de indicios de lesões profundas e que demandem cuidados imediatos ou posteriores.

 

Tais passos são conhecidos como o ABCD do atendimento de emergencia, e a sequencia A --> B --> C --> D --> E é realizada diversas vezes no mesmo paciente, em curto espaço de tempo, visando assegurar o suporte de vida. Não é preciso relembrar, se o corpo não oferecer  as condições minimas e se não houver suporte externo que o faça, o cerebro não permanecerá vivo durante muito tempo.

 

5. Quando remover?

 

Via de regra, a remoção do hospital somente se faz em duas hipoteses: o paciente encontra-se estavel ou o transporte é rapido ( 30 minutos o ideal, 60 minutos em condições extremas) e dispõe de adequado suporte de vida avançado. Não se admite, em situação ideal, perder-se paciente durante o transporte: muito provavelmente o transporte foi mal indicado, ou os recursos no ponto de origem eram em absoluto inexistentes.

 

O transporte de urgencia deve ser indicado e realizado sempre que puder representar um fator de melhora na condição do paciente. Jamais se os riscos forem maiores ou iguais aos benefícios. Exija sempre o campanhamento de profissional medico durante o transporte de pacientes em estado grave, em ambulancia com equipamento de suporte adequado e com veiculo compativel ao tempo de trajeto, que, conforme explicitado acima, deve ser idealmente inferior a 30 minutos e em casos extremos, jamais superior a 60 minutos. Acione meios aereos, caso a distancia ou as condições demandem tempo superior a esse, sob pena de se elevar o perigo de vida a niveis inaceitaveis, para uma remoção.

 

O Autor, enquanto voava no transporte aeromedico, já chegou a realizar "missões de misericordia", mas somente com a concordancia expressa da equipe assistente do paciente no local de origem, atestando formalmente a extinção dos recursos terapeuticos, também da aceitação formal da equipe que receberia o paciente explicitando e concordando com o transporte, além de termo dos familiares responsaveis pelo paciente quanto  ao conhecimento da condição, da iminencia do óbito com ou sem o transporte. Pode parecer estranho ao leitor não medico tais colocações, de decorrem de regras de procedimento muito bem fundamentadas em nossos dias normatizando as remoções tendo por escopo a maxima de Hipócrates ao dizer que " se não puder fazer o bem, pelo menos não faça o mal", além claro, das leis vigentes nas esferas ética, constitucional, adminstrativa, cível e penal.

 

Importante é salientarmos que o trauma, na enorme maioria das vezes, pode e deve ser evitado. Nos estudos de sinistros e sinistralidade, observa-se fato peculiar de que todo e qualquer evento agudo obedece à uma cadeia de eventos subsequentes e ordenados, onde a eliminação de um fator evita a concretização do evento. Claro é, se são varias cadeias de eventos, cumore-se eliminar apenas um elemento de cada cadeia para que tais eventos não se concretizem.

 

No caso especifico do trauma, em se considerando que a quase totalidade dos eventos tem o alcool como elemento facilitador, quando não diretamente causador, imagine o leitor se, ao se fazer uso do alcool, não se cometesse abusos. Se ao ingerir bebidas alcoolicas, fosse evitado dirigir carros ou pilotar motos. Se ao ingerir alcool se evitasse situações de risco, tais como aglomerações publicas, vias movimentadas, lugares altos, armas de qualquer tipo...

 

No Brasil, em função do trauma, a cada ano morrem mais pessoas do que numero de soldados americanos mortos em 10 anos de guerra do Vietnam. O numero de aposentadorias por invalidez decorrente de trauma somente é menor que as aposentadorias por doenças cerebro vasculares em função de que a mortalidade no trauma é maior que nas doenças cerebro vasculares. Os custos para o custeio da assistencia ao traumatizado, na fase aguda e tradia, bem como o custo maior ainda decorrente dos beneficios de aposentadoria e ganhos cessantes é exorbitante.

 

Durante um simpósio sobre operações de socorrimento publico com uso de helicópteros e gerenciamento de crises do qual participamos, conversando com o na época presidente do ADAC ( Automovel Clube Alemão) sobre os custos e recursos para a manutenção de dois helicópteros, tripulações e hospitais regionais complexos cada qual cobrindo um raio de 50 km em toda a alemanha, ele me disse de forma objetiva que, mesmo falhando a prevenção, o governo alemão economizava 4 Deutch Marks para cada Deutch Mark investidos no sistema. Daí se vè o impacto negativo sobre a economia causados pela assistencia deficiente ao traumatizado, e pode-se perceber a importancia da prevenção desta doença que é previsivel e passivel de prevenção efetiva, desde que haja conscientização das autoridades responsaveis e claro, de nós cidadãos, de forma individual e coletiva. 

 

Essa reflexão se faz necessária. Precisamos entender que 98% desses casos relacionados ao trauma podem ser evitados, desde que tenhamos senso de previsibilidade e adotemos comportamentos que visem a redução de exposição à situações de risco.

 

Por favor, pense nisso, cuide-se, cuide dos seus, advirta seus amigos. Mantenha-se vivo.

 

 Dr. Romulo A. C. Bertolaccini, mar/2009